domingo, 20 de março de 2011

VI - SAÚDE E DOENÇAS

SAÚDE E DOENÇAS


  Devido à ausência de médicos na localidade e vizinhança, os cuidados da saúde e tratamento de doenças ficavam ao encargo de curandeiros e para-médicos formados pela faculdade da experiência e da necessidade.
Serviço De Saúde
 
Sem médico na região, o curandeiro era o principal orientador da medicina campeira. Sr Lauro Vargas, mulato, detinha o conhecimento do uso de ervas para os diferentes males do corpo. Ele e outros sempre tentavam a melhora do paciente e aplicavam os primeiros socorros antes da difícil chegada de um médico na localidade. Predominava também a farmácia homeopática na qual a maioria de sua gente acreditava. Todos já sabiam previamente a receita para cada tipo de doença.
As Parteiras e as Parturientes

Dona Damiana Flores, casada com José Machado de Oliveira, teve destaque na quantidade e qualidade de serviços prestados como parteira no Rincão dos Alves. A maioria das pessoas da localidade foi atendida por ela. Raros casos eram atendidos por profissionais de medicina na cidade, o que só veio acontecer a partir de 1985 em diante, já em caráter definitivo, pondo fim ao serviço das parteiras. A equipe de atendimento a parturiente era constituída de uma parteira chefe e uma ajudante. Dona Nena Correa(Filha do Funcho) era ajudante da parteira Damiana Flores. O primeiro sinal de um novo nascimento ocorria quando se encontrava na estrada D. Damiana acompanhada de pessoas amigas ou parentes da parturiente. Ao longe, quem via D. Damiana passar, já se fazia cochichos – quem vai ganhar nenem por aí !!! Como em toda atividade de saúde há risco de transtornos, nessa atividade havia também riscos de morte. Foi o que aconteceu, não se sabem em mãos de que parteira, a Sra Luiza Saggin, casada com Angelo Boff, teve um parto difícil. O estado de saúde da parturiente era grave e fugia da capacidade técnica da Parteira que se revelou incapaz daquele procedimento médico. Quando levada em carro de bois para a cidade, para ser atendida por médico, faleceu no caminho junto com a criança ainda no ventre da mãe. Havia também uma Sra de origem alemã, moradora do lado direito do Rio Jaguari, família Addler, nascida na Alemanha, com curso de enfermagem e era habilitada a fazer partos e outras atividades de saúde. Muitas vezes foi requisitada por moradores do Rincão dos Alves para atendimentos mais complexos. Porém, devido a costumes próprios de relacionamento racial, a integração de solidariedade não era tão aberta como se desejava.
Febre Espanhola e Tifóide

Em 1928 e 1929 a Febre Espanhola foi arrasadora no Rincão dos Alves. A família do Sr. Álvaro Ventura de Oliveira, 6 dos seus 11 filhos foram dizimados pela febre. Pessoas que vinham prestar socorro eram acometidas pelo mal da febre e acabavam sendo sua vítima fatal. O Sr. Cândido Maciel, pai do Sr. Pedro Maciel dos Santos, foi ajudar a fazer caixões para o sepultamento das vítimas e adquiriu a febre, vindo a falecer dois dias depois. Morria tanta gente pela febre que tiveram de fazer um cemitério particular na propriedade do Sr. Álvaro V. de Oliveira, o qual existe até hoje. Neste mesmo cemitério foi sepultado, em outubro de 1991, mais um de seus filhos, falecido não de febre, mas com arma de fogo – Mário Flores de Oliveira. Em 1930 ocorreu a contaminação pela Febre Tifóide, atingindo grande parte da população, quando faleceram 6 pessoas e aniquilando a todos os acometidos pela doença. O remédio usado na época era de plantas medicinais e banho frio(pano enrolado na cabeça e no corpo) para baixar a febre. O médico da época era o Dr. Alvino Sesti que tinha de viajar muitos KM até chegar ao local dos doentes. Na sua ausência atendia o curandeiro Sr. Lauro Vargas e também o Sr. Norberto Soares.


Os Males da Época

Não só a região de Rincão dos Alves teve acentuada incidência de doenças contagiosas, mas as pessoas que viveram o terror dos surtos dessas doenças achavam que o local foi um dos mais sacrificados. Qual dessas pessoas aborda o terror da doença sem se emocionar ? As doenças que mais incomodavam a população eram: - Febre tifóide, causadora de febre alta que desafiava os curandeiros e os conhecedores da medicina campeira, os quais adotavam medidas paliativas no enfrentamento do mal. Embebiam panos atoalhados em água fria para envolver o paciente portador da febre. Todos temiam ultrapassar os limites de temperatura que causavam convulsão. Uma das formas caseiras de prevenir a doença, dentro da crendice popular, era espalhar alho e cebola debaixo das camas e locais úmidos, obrigando os ocupantes a suportar o cheiro picante destes bulbos. Uma das atingidas pela doença foi Pedro Machado que Virginia, sua mãe, ficou magra de tanto se envolver com o filho acometido desse mal. Todo corpo era enrolado em pano embebido com água fria numa sequencia de troca até baixar a febre. Depois de algum tempo a febre retornava e o paciente voltava a se agitar, exigindo nova intervenção de troca de panos umedecidos. - A febre ou Gripe Espanhola – era também o terror da redondeza. Caracterizava por diarréia e febre alta que levava pavor às famílias quando um de seus membro era acometido do mal. Além da febre alta e deixar o paciente abatido, o mal era demasiadamente contagioso. Esse tema é abordado numa das seções deste trabalho, onde é citado exemplos de pessoas que vinham confeccionar o caixão de sepultamento e faleceram no local, devido ao contágio. - Tuberculose ou tuberculose pulmonar – tinha o pulmão como porta de entrada e sede da doença. O portador do mal tinha respiração ofegante semelhante ao alérgico de asma que se acentuava tanto que deixavam os acompanhantes em estado de desespero. Costumava-se dizer que a tuberculose se originava de uma gripe mal curada. O doente ficava minguado, seco, tísico, franzino, por isso ganhou vários nomes populares: delicada, doença do peito, doença ruim, fininha, fraqueza do peito, magra, magrinha, mal de secar. Nos anos 1948 a 1950 o governo federal investiu pesado contra esse mal fornecendo uma vacina chamada BCG, constituída de um líquido leitoso em tubo de vidro e tampa com núcleo de borracha e bordas reviradas, mantida em temperatura baixa. A campanha de vacinação era feita por equipe de médicos e enfermeiros que se deslocavam num tipo de ônibus chamado “CARRO BRANCO”. Visitavam as escolas e ministravam a vacina e, com isso o mal foi definhando até sua extinção, mas nessa trajetória deixou milhares de vítimas. Quem eram as vítimas da tuberculose ? Eram aquelas pessoas que se descuidavam da saúde, deixando de se alimentar, excesso de tabaco – cachimbo, charuto e cigarro, excesso de álcool –bebida que inibe a alimentação. Um exemplo: Um moço do Rincão foi procurar trabalho em Porto Alegre em 1940 e passou a fumar muito e freqüentar bares, alternando um misto de cigarro com bebida, além de noitadas de orgia. Não deu outra..- ficou tuberculoso. Foi hospedeiro da doença, tendo que retornar á sua terra em busca de cura. Teve que ser isolado da família e contratada uma pessoa para ministrar remédios e comida, pois ninguém queria se arriscar em ser contaminado pela doença. Até hoje ainda existe o túmulo da vítima citada no Cemitério da “Estância”, um dos poucos que se mantém de pé. O desespero tomava conta de portadores do mal que acabava servindo de auto cobaia de produtos estranhos. Houve caso de uma mulher que queria antecipar a morte e passou a ingerir querosene durante certo período e acabou vencendo a doença. Porém tal aventura não serviu de cura para outros que tentaram a arriscada proeza. - Pontada de Pneumonia – também era extensão de uma gripe mal tratada, causadora de febre alta que também vitimou inúmeras pessoas da comunidade, como aconteceu com Adélia Simi de Oliveira, primogênita de Marcírio Machado, assunto já abordado noutra seção. - Outros males também deixaram sua marca na localidade como Câncer de Mamas, Câncer de Útero, Mal de Chagas(transmitida pelo barbeiro), gripes e outras. - Doenças neurológicas – havia sim. A mais comum era o doente se retrair, se isolar e evitar contato com outras pessoas, mesmo da família. Dizia-se que estava “abichornado” ou se transformava em bicho. Era a doença depressiva com outro nome. - Síndrome de Down , também conhecido por mongolismo, não teve espaço na localidade. Não se tem comprovação científica da razão de sua inexistência na região, mas supõe-se que tenha origem na diversificação das origens do seu povo, evitando a repetição prolongada de casamentos entre pessoas da mesma família. - Bócio ou Papo ou Papeira – Chamava à atenção o grande número de pessoas portadoras do bócio, cartilagem que se formava na base do pescoço, resultante da insuficiência de iodo, o que causava constrangimento, incômodo nos movimentos, além do prejuízo visual. Hoje não mais existe tal incômodo. - Meningite – Doença que amargou a vida das crianças da época até o aparecimento da vacina anti-pólio. Os sintomas eram dor na nuca e febre alta, necessitando de compressas com água bem fria para baixar a temperatura. Neusa Machado de Oliveira, filha de Antonio e Doralina foi vítima de meningite aos 10 meses de idade(abril de 1944), tendo sido já desenganada pelos curandeiros. Antonio pediu ao irmão Olindo(Olinto) que fosse buscar o médico na cidade. Chovia muito durante à tarde e por isso Olindo saiu à noite, em uma aranha tipo charrete, na escuridão, iluminada pelos relâmpagos. Enquanto isso Idalina(Tia) e Mário Feliciani(amigo da família) aplicavam compressas frias na cabeça e água morna da cintura para baixo. Depois de algum tempo, Neusa adormeceu em profundo sono e sua mãe imaginava que estava prestes a morrer e fez uma promessa de só cortar o cabelo da menina após 7 anos de idade em uma” Festa de Inocente”. Olindo retornou no outro dia acompanhado do médico, Dr. Alvino Sesti. Antes de chegar, cerca de 1 km da casa, o arroio transbordava devido a chuva intensa e não puderam atravessá-lo. Tiveram então de passar na pinguela e ir a pé até a casa da doente. Chegando lá o médico constatou que a febre havia sido debelada. Disse que dormiria a cerca de 3 dias seguidos, mas estava fora de perigo. Deixou alguns medicamentos para continuar o tratamento e por isso foi salva. A promessa foi cumprida por Dona Doralina e as crianças fizeram a festa com o grito de aleluia !. - 0 Colite - Doença infecciosa que atacava o colo(parte do intestino grosso entre o íleo e o reto) e produzia cólica ou dor de barriga ou de intestino. - Varicela – Este mal da pele aterrorizava a todos, principalmente os jovens, que viam no rosto das pessoas uma seqüela irreparável, tirando a sua beleza física para sempre. Havia também outras doenças também de natureza virótica , tendo bolhas de água como a Varíola e Sarampo, porém não com efeitos tão danosos à pele quanto a varicela. Uma das vítimas da doença foi Gerônima, esposa de Francisco de Oliveira Machado. - Parasita – Era muito comum a invasão da Ascaris Lumbricoide no intestino – a lombriga ou bicha, tendo como hospedeiro preferido - o intestino das crianças até a idade adolescente. Mas o tratamento com vermífugos combatia de imediato tais incômodos. Por outro lado, a batalha continuava contra outros parasitas como pulgas, piolhos, bicho-de-pé, percevejos, sarna(mais em animais) e muquiranas que invadiam as casas com paredes de barro, camas com pouca higiene e descuido da limpeza em geral da residência. A solução da praga do piolho era raspar a cabeça das crianças. A sarna combatia-se com sabão mata-cura. A doença de Chagas, em data mais recente, combatia-se com ação da vigilância sanitária através de dedetização. O percevejo combatia-se com “escaldação” isto é, despejar água quente nas juntas das camas, principalmente de madeira.
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2 comentários:

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  2. Sr Hermes Bressane gostei muito das suas historias pois meu pai Ernestor Soares da Cruz era de Rincão dos Alves, filho de Lauro Soares de Vargas o curandeiro, e de Joana da Cruz, que era a primeira esposa dele e não a segunda, e também tinha as minhas tias, irmãs de meu pai, Ema Vargas, Nadir Vargas, Jurema Vargas, Nenê (ocorre-me, agora que nunca perguntei o nome dela), e tem mais uma que não me recordo o nome pois eu era pequena quando ela faleceu, gostaria de saber mais, sobre a familia de meu pai meu email é ritasaxewur@hotmail.com

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